Projeto Extensão Universitária da Rede Interdisciplinar de Pesquisação com Comunidades Pesqueiras Tradicionais

1.6 Descrição da Ação
Resumo da Proposta:

Esta proposta busca manter as atividades de extensão desenvolvidas em comunidades costeiras tradicionais dando apoio aos trabalhos de consolidação e ampliação da dinâmica produtiva solidária e tecnologia ambiental, num período de 12 meses. Tal intento compreende ações de extensão acadêmica buscando o envolvimento de elementos e atores das diversas etapas da cadeia produtiva, promovendo o fortalecimento do trabalho cooperativo, articulando ações de promoção de controle sanitário e de saúde no trabalho, produção e consumo sustentável de ostras e, também, de co-manejo de atividade extrativista em bancos de moluscos numa perspectiva transversal de valorização dos saberes tradicionais e do respeito à diversidade de gênero e etnia.

 Palavras-Chave:

ostreicultura, lambreta, educação ambiental, saude ocupacional, gestão social


 1.6.3 Objetivos
De forma geral, o presente programa de extensão buscará

APOIAR A FORMAÇÃO DA REDE DE OSTREICULTORES FAMILIARES

A rede de ostreicultores familiares na Bahia já é uma comunidade de prática estabelecida por projetos anteriores. As reuniões do conselho gestor se alternam com capacitações de todos os/as produtores/as a cada mês. Desta forma este projeto buscará manter o vínculo da Universidade com o processo de fortalecimento deste grupo, buscando inclusive sua formalização e consolidação de sua produção, ações sociais e políticas. O que promoverá desenvolvimento de uma atividade produtiva sustentável social e ambientalmente em todas as comunidades envolvidas, além de contribuir com o empoderamento dos/as pescadores/as e marisqueiras/os envolvidos/as.

Na execução deste objetivo, o presente programa necessitará desenvolver, de forma integrada e integradora, ações mais específicas, com os seguintes objetivos:

A) PRODUZIR PARTICIPATIVAMENTE MAPEAMENTOS BIOREGIONAIS PARA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E PARA DESENVOLVIMENTO SOCIAL;

Para promover a sustentabilidade ambiental dos empreendimentos nas regiões do projeto, serão construídos mapeamentos participativos sobre as principais questões ambientais; identificando a necessidade da realização de ajustes/encaixe das diversas atividades produtivas existentes, observando a importância da gestão de conflitos de uso; além de incentivar e proporcionar a participação de produtores e membros das comunidades em espaços de discussão sobre regulação e fiscalização ambiental.

Ao mesmo tempo, para promover o desenvolvimento social destas comunidades, será construido o mapeamento da historia de apropriação e uso do espaço das comunidades de pescadores artesanais e quilombolas, que corresponde aos respectivos territórios produtivos das comunidades da Rede de Ostreicultores Solidários da Bahia

B) MONITORAMENTO DA PRODUÇÃO DE OSTRAS E DE LAMBRETAS;

Acompanhar todo o processo de produção de ostras em cultivos familiares e a extração de lambreta, monitorando a produção e sua variação no tempo e no espaço, organização e rotina do trabalho, para instrumentalizar os produtores na gestão consciente destes recursos. Junto com este trabalho também se buscará conhecer riscos ocupacionais de acidentes e doenças na produção extrativista e no cultivo da lambreta em comunidades, bem como entender a divisão sexual do trabalho. Procurando construir coletivamente estratégias de reconhecimento e superação destas problemáticas.

 1.6.4 Metodologia
No trabalho com o apoio a rede de ostreicultores familiares da Bahia, o foco inicial é a sua formalização enquanto cooperativa, demanda identificada pelos produtores, a fim de proporcionar o desenvolvimento da produção e comercialização da ostra, bem como garantias territoriais com a cessão de águas públicas da União. É fundamental também o acompanhamento e apoio na organização e execução das capacitações de todos/as produtores/as, que acontece desde março de 2010, em temas como cessão de águas públicas, monitoramento sanitário e ambiental, educação ambiental, economia solidária, e beneficimento e certificação do produto. Outro papel importante realizado pela rede em parceria com a universidade é a resolução coletiva dos problemas de diversas ordens enfrentados pelas comunidades. Para realizar este apoio, se faz necessário uma equipe multidisciplinar que facilita e viabiliza as ações da rede, em especial nos aspectos organizacionais, intra e inter comunidades, e inter institucional, articulando ainda as ações participativas de mapeamento, e de monitoramento.

A) MAPEAMENTO BIORREGIONAL PARA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E DESEVOLVIMENTO SOCIAL

Paulo Freire (1968) sugere que as populações locais são capazes de conduzir suas próprias pesquisas e assim devem fazê-lo. Essa prática possibilita uma conscientização das pessoas sobre a problemática local, aumentando a confiança na capacidade de modificação do meio a partir de seus conhecimentos e suas ações.

O transcurso do método de participação da comunidade segundo Brose (2001) pode ser subdividido em 3 partes, sendo que a primeira corresponde à ampliação do conhecimento sobre seu processo pelas famílias e construção de uma relação de confiança mútua. A fase consecutiva se refere à definição de objetivos e prioridades pela comunidade. Nesta fase, deve-se criar um ambiente de consenso dentro do grupo, bem como estabelecer uma visão conjunta.

O mapeamento bioregional é uma técnica que permite representar os conhecimentos coletivos biológicos, físicos e culturais, de comunidades tradicionais, ou de qualquer outra instância, em cartas simples de várias camadas (multi-layered). Quando as fontes de informação são plotadas nestes mapas, há um salto quali-quantitativo que permite que as comunidades possam utilizar tais mapas como ferramentas eficientes para a tomada de decisões (Aberly e George, 2010). O reconhecimento do saber tradicional do povo que historicamente vive no território é o objetivo essencial do mapeamento bioregional. Esse tipo de mapeamento delineia o conhecimento existente entre os membros da comunidade, tanto quanto viabiliza entre eles a coleta de novas informações, e consolida toda a informação de forma concisa mais completa num instrumento da própria comunidade (Castro; McNaughton 2003).

A metodologia das oficinas tem como base os princípios, teorias e técnicas ou dinâmicas de grupo, que surgiram em decorrência da teoria de campo de Kurt Lewin (1948); Pichon-Riviere (1988). Estas são ações educativas em que o trabalho dos educadores não se restringe ao plano intelectual e cognitivo, que prevê informações e conhecimentos; envolvem principalmente mudanças de comportamento, atitudes e valores. As oficinas servem para diagnosticar a prática – o que as pessoas pensam, o que sentem, o que vivem, o que desejam; servem para desenvolver um caminho de teorização sobre esta prática com um processo sistemático, ordenado e progressivo, e para retornar à prática, transformá-la, redimensioná-la. Também visam à inclusão de novos elementos que permitem explicar e entender os processos vividos pelas pessoas que deles participa. Dessa forma, as oficinas concretizam a metodologia participativa em que os educandos não são receptores passivos, têm uma ação efetiva em seu próprio processo de aprendizagem por perceberem seus conhecimentos e experiências valorizados. Igualmente, por serem estimulados ao envolvimento na discussão, identificação e busca de soluções para os problemas levantados pelo próprio grupo e com os quais terão de lidar ao se tornarem educadores, disseminadores.

Neste contexto, o grupo é a instância que estabelece a ligação entre o individual e o coletivo. Num contexto grupal, as técnicas participativas geram um processo de aprendizagem libertadora que permite desenvolver um processo coletivo de discussão e reflexão, ampliar os conhecimentos individuais, coletivos enriquecendo seu potencial e conhecimento, e possibilitar a criação, formação, transformação de saberes em que os participantes são atores de sua elaboração e execução (FREIRE, 2005). Outra estratégia a ser utilizada no desenvolvimento de trabalhos de capacitação com as comunidades são as dinâmicas de grupo, inseridas no contexto das oficinas, observarndo uma série de condições entre as quais: o preparo do ambiente físico; o acolhimento afetivo; a postura física receptiva; o senso de observação; a escuta sensível e a observância de normas de convivência. Além disso, uma prática pouco comum, porém muito construtiva e que deve ser estimulada por este projeto, é a identificação de facilitadores-educadores nativos das próprias comunidades. Isso permite uma adequação da linguagem, valorização dos saberes em nível local e maior troca de informações, conteúdos e experiências.

Nos trabalhos de mapeamento se buscará construir – a partir de oficinas de Cartografia – o mapeamento da historia de apropriação do espaço das comunidades de pescadores artesanais e quilombolas, assim como os respectivos territórios produtivos das comunidades da Rede de Ostreicultores Solidários da Bahia, no Território de Identidade Baixo Sul. Esta Rede é composta por quatro comunidades de pescadores artesanais (Batateira, Galeão, Graciosa e Taperoá), sendo que as três primeiras são certificadas pela Fundação Cultural Palmares enquanto quilombolas. Batateira tem, também, o processo de regularização fundiária de território quilombola aberto no INCRA. Em alguns casos, estas comunidades são vitimas da pressão expropriatória de capitais transnacionais (principalmente o do turismo) e regionais (grandes proprietários da região). Com o processo de elaboração do mapeamento, pretende-se: a) fortalecer a organização social, econômica e identitária das comunidades, assim como, espacializar suas relações produtivas articuladas entre terra e água; b) fortalecer as articulações em rede entre as referidas comunidades e c) identificar os circuitos produtivos às quais estão inseridas na escala regional. Nesse sentido, tem-se a expectativa de contribuir com os objetivos da proposta de gerar desenvolvimento local com as articulações em rede e resultados positivos na esfera da produção. A metodologia do mapeamento bioterritorial poderá, também, subsidiar nas disputas territoriais judicializadas. A didática proposta será a da construção conjunta do trabalho entre comunidades e pesquisadores, com oficinas de cartografia e mapeamento, espaços deliberativos e trabalho de campo participativo.

O trabalho será realizado em três etapas diferentes: 1) levantamento de material bibliográfico 2) trabalho de campo para a realização de oficinas de cartografia e mapeamento e 3) sistematização das informações coletadas e elaboração dos mapas temáticos e relatório. A primeira etapa constituirá de levantamento bibliográfico sobre, bem como da temática vinculada a comunidades de pescadores artesanais e quilombolas. A segunda etapa será estruturada a partir dos contatos previamente existentes e constará de nove viagens a campo (uma por mês), sendo que a primeira servirá para a apresentação do plano de trabalho ás comunidades e o planejamento das atividades em campo a serem desenvolvidas. Vale destacar que a cada dois meses será realizada oficinas de cartografia e mapeamento em uma comunidade sendo que a ordem com que serão realizadas estas viagens será decidida com as próprias comunidades na primeira ida a campo. Em cada conjunto de oficinas realizadas serão elaborados junto com a comunidade o mapeamento preliminar que será finalizado na terceira etapa, em trabalho interno nos grupos de pesquisa GeografAR e MarSol; contando com o apóio do softwer gráfico ArqGis para a elaboração dos mapas temáticos e relatório final. Como parte das oficinas está previsto, também, a realização de entrevistas com alguns moradores de cada comunidade, a fim de reproduzir seus interesse e avaliações sobre o Projeto, a produção e eventualmente os conflitos fundiários existentes. Estes
depoimentos farão parte de um acervo de informações que deverá ser disponibilizado como memória das comunidades

B) MONITORAMENTO DA PRODUÇÃO DE OSTRAS E LAMBRETAS

No trabalho com os ostreicultores familiares será fundamental a biometria para monitoramento do  desenvolvimento das ostras no cultivo. Possibilitando identificar em quais estágios existe uma maior taxa de mortalidade e necessidade da aplicação de técnicas de castigo. Outro ponto a ser trabalhado refere-se à presença de competidores e/ou predadores, viabilizando o entendimento sobre a dinâmica do cultivo. A biometria se torna necessária por permitir, além de uma noção do ciclo de crescimento da ostra, um maior controle do processo produtivo para as etapas futuras ligadas à comercialização do produto. Dados e informações levantadas por meio da biometria servem, igualmente, para adequar outros procedimentos relacionados ao manejo das estruturas: triagem; repicagem e medidas preventivas contra competidores e predadores.

Nos Trabalhos com a produção de lambretas se procurará:

-Conhecer riscos ocupacionais de acidentes e doenças na produção extrativista e no cultivo da lambreta em comunidades pesqueiras, o que se fará através de: 
-Uso de estratégia ergonômica para o estudo do trabalho nas atividades de extração e cultivo da lambreta; 
-Estudo clínico/epidemiológico das doenças e acidentes do trabalho presentes no processo de trabalho, indicando metidas de prevenção, diagnóstico, tratamento, reabilitação e formas de encaminhamento de casos de incapacidades para a previdência social; 
-Uso de técnicas cartográficas para mapear riscos ocupacionais de doenças de acidentes do trabalho. Nas práticas de saúde ocupacional para a extração artesanal de lambretas e cultivo das ostras haverá a necessidade de adequar os fundamentos teóricos e práticos do processo de trabalho aplicados ao assalariado para as especificidades que caracterizam o trabalho artesanal na pesca. Desse modo, a partir do conhecimento em profundidade do processo de trabalho será possível identificar todas as etapas da produção, tarefas e assim identificar riscos potenciais à saúde ocupacional, tanto de doenças do trabalho quanto de acidentes, e suas formas de minimização ou mesmo supressão de riscos em algumas situações. Um exemplo de prática preventiva eficaz no controle de risco de doença ocupacional por meio de medidas simples e disponíveis nas Unidades de Saúde da Família pode ser dado pela vacinação antitetânica. Nesse caso, o risco de tétano ocupacional causado por ferimentos, acidentes pérfuro-cortantes presentes no trabalho de coleta de lambreta e cultivo de ostras e outros mariscos pode ser evitado com o uso de vacinas disponibilizadas pelo SUS.

Associado à análise do processo de trabalho, com a participação das comunidades pesqueiras, existe a necessidade de conhecer o quadro institucional da região para avaliar e construir estratégias de prevenção de doenças e acidentes do trabalho, diagnóstico, tratamento, reabilitação e afastamento do trabalho para casos de incapacidade junto à Previdência Social. Dessa forma, os resultados da análise do trabalho e do quadro institucional servirão para práticas de educação em saúde ocupacional no sentido de construir suporte para garantia do direito à saúde, inclusive da saúde ocupacional, e do direito ao seguro previdenciário para casos de incapacidades do trabalho. Esse suporte poderá representar melhorias nos seguintes aspectos de atividades nas comunidades pesqueiras:

-Permitir reflexões sobre estratégias de melhoria dos processos de extração e cultivo da lambreta considerando aspectos de proteção à saúde ocupacional presentes nas tradições dos pescadores (a exemplo do uso de chapéu de abas largas para evitar envelhecimento precoce da pela e câncer ocupacional), associados ao uso de técnicas preventivas adaptadas à realidade e condições locais; 
-Proporcionar redução do sofrimento no trabalho decorrente à ausência de diagnóstico e tratamento de doenças ocupacionais e construir a visibilidade dessas enfermidades junto às instituições de saúde e previdência no sentido de proteges as comunidades pesqueiras;
-Elaborar instrumentos de educação em saúde ocupacional como mapas de riscos de acidentes e doenças do trabalho, cartilhas e outros instrumentos pedagógicos para dar suporte às práticas de educação em saúde ocupacional junto às comunidades de pescadores;